Submarino Titan: o que a tragédia nos ensinou – 30/06/2024 – Ciência

“[O oceano] é um lugar onde você realmente precisa saber o que está fazendo antes de poder se aventurar. Você não sai correndo para quebrar as coisas, como se diz no Vale do Silício, se você estiver dentro daquilo que vai quebrar”: a frase é de James Cameron, explorador do oceano, cientista e cineasta, em fala ao telejornal 60 Minutes da Austrália, em 9 de junho de 2024.

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Já se passou mais de um ano desde que o submersível Titan implodiu no local dos destroços do Titanic. E dois dos meus amigos e colegas, o francês Paul-Henri Nargeolet e o britânico Hamish Harding, estavam a bordo.

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Trabalhei extensamente com Nargeolet por vários anos no projeto e operação do submersível ultraprofundo Limiting Factor. Harding e eu visitamos juntos o ponto mais profundo do oceano —a Depressão Challenger, na Fossa das Marianas.

Por isso, essa perda não foi apenas uma grande manchete. Para mim, foi algo pessoal.

Um ano depois, muitos perguntam: “Como o incidente mudou a exploração em águas profundas?”

Existem duas respostas para esta questão. A primeira é: “Tenho muita esperança que não muito.”

O que quero dizer com isso é que eu espero sinceramente que este incidente não aumente o medo das pessoas de mergulhar nas profundezas dos nossos extraordinários oceanos, que são a força vital do nosso planeta.

Três quartos dos oceanos do mundo estão totalmente inexplorados. Eles abrigam inúmeras espécies a serem descobertas, quebra-cabeças geológicos que podem nos ajudar a entender os maremotos e tsunamis e possíveis indicações sobre os efeitos das mudanças climáticas sobre o planeta.

Infelizmente, o sensacionalismo em torno do acidente e o medo instintivo de muitas pessoas sobre o fundo do mar podem ter aumentado a ansiedade de alguns, que não conhecem os submersíveis, em relação a realmente entrar em um desses veículos.

Mas isso certamente não deveria acontecer, da mesma forma que as pessoas não deveriam deixar de viajar de avião após ouvirem notícias sobre um acidente aéreo fatal.

Nós da comunidade dos submersíveis —construtores, pilotos e pesquisadores— não hesitamos em continuar a mergulhar exaustivamente nesses veículos, o que mostra que podemos confiar na sua segurança.

É muito importante compreender que o Titan era totalmente não convencional. Ele foi uma aberração na história dos projetos, operação e segurança de submersíveis.

O Titan foi construído principalmente com fibra de carbono e moldado na forma de cilindro, enquanto todos os outros submersíveis para águas profundas são esferas de metal ou acrílico.

Foram levantadas preocupações com a segurança do veículo desde 2018, segundo os antigos funcionários da empresa proprietária do Titan, a OceanGate.

Virtualmente todos os especialistas em engenharia do fundo do oceano que conheço imploraram à OceanGate que não colocasse o Titan na água. Para eles, era apenas questão de tempo para que o submersível implodisse, matando seus ocupantes.

Mas os alertas foram ignorados.

Repito: é fundamental que as pessoas compreendam que existem formas seguras e consagradas de construir e operar submersíveis para chegar ao fundo do mar. Por 50 anos, não houve uma única fatalidade humana, nem mesmo lesões sérias entre seres humanos, durante mergulhos em submersíveis civis baseados nesses princípios.

Os submersíveis adequadamente certificados (ou “classificados”, como se diz na indústria) são como as aeronaves aprovadas pela Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos.

É o caso da Triton Submarines, da Flórida, nos Estados Unidos. Líder no setor e construtora do meu próprio submersível avançado, a empresa só constrói submersíveis adequadamente certificados.

Inúmeros mergulhos já foram feitos até profundidades muito além da viagem do Titan, sem nenhum incidente.

Eu mesmo pilotei um submersível a mais de 10 mil metros de profundidade —duas vezes e meia a profundidade do Titanic— por 19 vezes. O mergulho pode ser feito repetidamente com segurança, levando outras pessoas para participar da incrível jornada.

Infelizmente, o fundador e principal piloto da OceanGate, Stockton Rush, ignorou as preocupações de segurança que se apresentaram no caminho das inovações e da sua ambição de estabelecer uma operação comercial viável.

Ele usou fibra de carbono para poder construir um veículo suficientemente grande, para transportar uma quantidade de passageiros que pudesse cobrir os altos custos de construção e operação de um submersível para águas profundas.

Suas concessões com fins econômicos e a possibilidade de se vangloriar da sua tecnologia contra uma indústria que ele considerava excessivamente conservadora acabaram sendo fatais.

Existem muitas similaridades nas histórias. O próprio Titanic não deu atenção adequada aos alertas sobre a grande quantidade de icebergs na sua rota. Da mesma forma, a OceanGate ignorou os avisos sobre as falhas do seu projeto.

O número de botes salva-vidas do Titanic era insuficiente —para evitar que eles supostamente abarrotassem o convés, prejudicando a visão dos passageiros. Já o Titan usou fibra de carbono para que mais pessoas pudessem embarcar.

E, é claro, havia a eterna arrogância. O Titanic era “grande demais para afundar”, enquanto o Titan era “revolucionário”.

Seus proprietários consideraram ambos perfeitamente seguros —mas não eram.

Existe uma segunda consequência possível da perda do Titan para a exploração das profundezas do oceano.

De uma forma quase assustadora, o acidente repetiu muitos dos elementos que contribuíram para a tragédia do Titanic, há mais de 100 anos. Mas o desastre poderia —e deveria — ter o mesmo efeito positivo sobre as futuras regulamentações internacionais de segurança.

Depois da perda do Titanic, foram criadas regulamentações restritivas sobre a segurança da vida no mar (Solas, na sigla em inglês), que perduram até hoje. Essas normas rigorosas definem o equipamento, treinamento e procedimentos necessários para operar embarcações comerciais no ambiente marítimo.

Por isso, por mais trágica que tenha sido, a perda do Titanic acabou salvando muito mais vidas, ao impulsionar novas medidas de segurança para evitar que uma nova tragédia como aquela acontecesse novamente. E este mesmo lampejo de esperança existe no desastre do Titan.

Enquanto ainda aguardamos os resultados de duas investigações oficiais do acidente, pela Guarda Costeira dos Estados Unidos e pelo Conselho de Segurança do Transporte do Canadá, surgiram apelos para reforçar as medidas de segurança da indústria de submersíveis.

Submersíveis “não classificados” (ou seja, não certificados por terceiros qualificados) nunca devem ser autorizados a transportar passageiros comerciais.

Da mesma forma que na aviação, veículos experimentais podem e devem ser autorizados a operar, para podermos ampliar as fronteiras da tecnologia, segurança e capacidade. Mas as pessoas que não têm ideia de como avaliar os riscos que estão assumindo não deveriam poder comprar passagens para viajar em veículos experimentais.

A simples assinatura de uma declaração de isenção, contornando as leis por operar em águas internacionais, ou o uso de manobras legais para classificar passageiros comerciais como “tripulação”, claramente ao contrário da realidade, não deveriam impedir que os operadores de risco fossem proibidos de operar, ou de receber processos legais retroativos quando voltassem a algum porto.

Outra questão fundamental é que, como acontece em tantos outros casos no nosso mundo, o dinheiro gasto no turismo —sim, até no turismo em águas profundas, para visitar um local de naufrágio— financia o desenvolvimento de tecnologias e procedimentos para que a exploração dos oceanos seja mais barata, frequente e segura.

Os fundos fornecidos para desenvolver a tecnologia marinha são insuficientes. Por isso, é necessário apoiar o turismo oceânico, se quisermos que ele passe a ser mais acessível ao longo do tempo.

Mas é preciso ter segurança e seguir os protocolos estabelecidos.

A humanidade nunca deve abandonar as explorações, nem deixar de levar o máximo de pessoas possível até as extraordinárias maravilhas do nosso planeta, incluindo as profundezas do oceano.

Precisamos fazer isso para melhor compreender, apreciar e preservar, além de incentivar o aspecto mais característico e extraordinário da natureza humana: a necessidade de exploração.

Ao comentar recentemente a perda do Titan e do nosso amigo em comum, PH Nargeolet, James Cameron ofereceu o que eu acredito serem as melhores palavras finais sobre a tragédia. Na mesma entrevista mencionada acima, ele disse:

“A exploração vai prosseguir porque precisa prosseguir —e porque faz parte do espírito humano… Se fizermos corretamente, ela pode ser realizada com segurança.”

* Victor L. Vescovo é explorador das profundezas do oceano, piloto de teste de submersíveis certificado, ex-comandante da Marinha dos Estados Unidos e investidor de risco. Ele visitou o Titanic três vezes, foi a primeira pessoa a visitar o ponto mais profundo de todos os cinco oceanos do planeta e visitou o ponto mais profundo do oceano, a Depressão Challenger, 15 vezes.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation

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